A polêmica está no ar. Adolescentes do ensino médio lêem conto erótico em coletânea fornecida pela rede estadual de ensino.
Pais indignados, o poder legislativo de alguns municípios do estado de São Paulo se manifesta publicamente em repúdio a essa afronta à moral e aos bons costumes.
A origem de todo esse alvoroço é o conto Obscenidades para dona de casa, de Inácio de Loyola Brandão. O texto está na coletânea Os cem melhores contos do século, de organização de Ítalo Moriconi. Obra prima, de elevado valor cultural, fruto de um sério e respeitado trabalho de pesquisa e, que está prestes a ser recolhida, devido ao conteúdo do conto em questão.
Por mais que tenha me esforçado para compreender esse movimento, confesso que não consegui. Tudo me soa tão contraditório!
Com certeza os que bradam pela proteção moral dos nossos adolescentes, todas as noites sentam-se em frente à televisão, com seus rebentos, para ver os personagens das novelas viverem intensas tramas amorosas, permeadas por sexo, traição e violência.
Com certeza anualmente acompanham as tramas dos realitys shows, os quais promovem festas regadas a muita bebida. O fruto dessas festas é exibido em rede nacional em tempo real. Os participantes embriagados, assim que se esquecem das câmeras, passam a expor sua intimidade, deixam aflorar seus desejos mais profundos e profanos. Protagonizam cenas de erotismo, simulam atos sexuais e muitas vezes, chegam às vias de fato, embaixo do famoso edredom. E você que está horrorizado com a dona de casa do Inácio, permite que seu filho assista a esses programas, e ainda paga a conta do telefone para que ele possa votar em quem irá “pra roça” ou para o “paredão”.
Você que permite que seu filho assista a programas que se intitulam humorísticos, que sempre tem uma gostosona quase sem roupa como assistente de palco. Programas que não trazem nenhuma contribuição para o desenvolvimento intelectual e humano do seu filho, pois satirizam a camada mais pobre da sociedade, que realiza o sonho dos “quinze minutos de fama” expondo a sua desgraça. Você que vê seu filho a todo o momento repetir coisas desconexas como “Ronaldo!”, “Antonio Nunes!”, e outras bobeiras afins, levanta a bandeira pela preservação da moral e dos bons costumes.
Não estou defendendo que a televisão não deva tratar do tema, pelo contrário. O sexo, o erotismo, a relação que cada individuo estabelece com seu corpo e com a sua sexualidade faz parte da nossa natureza, da vida, do cotidiano e, por isso, deve ser abordado sempre que possível. Não dessa maneira vulgarizada e banalizada, com a qual inevitavelmente, eu e milhares de pessoas nos deparamos diariamente.
É um tanto quanto ingênuo imaginar que um adolescente que está no ensino médio, que tem entre quatorze e dezessete anos de idade, ainda não vive a sua sexualidade. É justamente nesse período que o seu corpo está em pleno amadurecimento sexual, que ele se manifesta.
Nesse sentido o conto em questão apresenta ao leitor adolescente, tão acostumado com a banalização do sexo, outra possibilidade de abordar a sexualidade feminina. Dá asas à imaginação na busca da visualização das cenas construídas pelo autor. Com toda essa polêmica, com certeza os adolescentes estão lendo e relendo o conto, e se aventurando pelo resto da obra. O que é muito positivo para essa geração que anda tão afastada dos livros.
Essa polêmica permitiu-me elucidar o quanto as instituições (família, escola, governo, ou seja, a sociedade) permanece com uma postura conservadora e repressiva para com seus jovens.
É por essas e outras ações, meramente moralistas e repressoras, que muitos jovens ainda não conseguem lidar com a sua sexualidade de forma madura, consciente. O resultado, todos nós já sabemos: iniciação prematura da vida sexual, gravidez na adolescência, a perda da juventude e todos os demais problemas sociais decorrentes da formação de uma família prematura.
Enquanto continuarmos a estabelecer esse tipo de relação com os nossos adolescentes, os mesmos continuarão a ser gauches em busca do seu lugar no mundo.
Suzano, Setembro de 2010.