09 janeiro, 2005

Conto (inédito)

"Filosofia do sentimento maior"

Após uma talagada no copo de conhaque, um trago no cigarro e uma gota de lágrima á escorrer pelo rosto, me pus á pensar no ocorrido.
Maldito caminhoneiro que atropelou e matou o combustível dos meus sonhos. Logo agora que estávamos para se casar. Tayane, mulher desejada por vários homens pelo seu corpo lindo e pele negra. Olhos e cabelos pretos de um brilho convicto.
Coloquei novamente o cigarro na boca e traguei fundo para sentir momentaneamente a fumaça invadir o meu cérebro. “Vai cigarro, acaba logo comigo e me leva pra junto dela”.
Pego-me a pensar nos momentos que vivemos juntos, o prazer era imenso, a minha mão alisava o seu rosto, os corpos em contatos era coisa fascinante. A minha parte física sorria de satisfação ao vê-la se contorcendo de prazer.
O amor vinha sempre no ponto mais alto da escada, no primeiro patamar. Sentimento maior. Hoje em dia é comum ouvir esse sentimento saindo da boca das pessoas. Pode-se ouvi-lo nas novelas, nas músicas, na condução, num baile qualquer, no futebol, enfim, o amor ficou prostituído na linguagem universal.
Volto a mim novamente e sinto o meu rosto facialmente molhado. O dono do bar me olha com dó, mas não perde a oportunidade de me oferecer mais uma dose de conhaque ao ver o meu copo vazio. Para continuar afogando a tristeza aceito o seu gesto, e dando uma olhadela em minha volta, percebo que uma garota que está acompanhada fica me encarando:
- O que foi? Te devo alguma coisa?
Ah, se tivesse força e coragem pra dizer isso pra ela. No momento a única força que permanece em mim é a do pensamento, que me tortura mentalmente. Será que essa garota também está com dó de mim ou me achou bonito com lágrimas no rosto?
Ah! De que importa isso se ela está acompanhada e eu aqui aos prantos?
Além do mais nada é gostoso quando é feito sem amor. Gostoso era quando eu e a Tayane íamos passear. Não nos importávamos se tinha sol ou se estava chovendo, se tínhamos dinheiro ou não, porque o sentimento derrubava qualquer obstáculo entre nós dois.
Criatividade não faltava. Nada entre nós era obrigatório, fazíamos tudo por prazer e por impulso, dois vulcões idênticos que ao entrarem em erupção espalhavam suas partes incandescentes, florindo sentimentos em todas as estações.
Agora chego à conclusão de que o poeta que tem talento sofre de amor ou é feliz por causa dele.
Verifico a carteira e vejo que se continuar bebendo, vou ser obrigado a lavar a louça do bar. Levanto-me da cadeira, nossa, sinto o meu corpo pesado. Sigo em direção ao balcão do bar, o dono não hesita e diz:
- É tanto.
Pago a conta e ignoro os míseros centavos de troco. Parto cambaleando, não sei se bêbado de álcool, ou pelo amor que ainda sinto por ela.
Já na calçada da rua, sinto a brisa da noite molhar o meu rosto, olho para o céu na vã ilusão de divisar a minha estrela chamada Tayane. Vou em frente com a ajuda das luzes penduradas nos postes, pegando rabeira na calada da noite.
Depois de alguns minutos de caminhada, me detenho em frente a uma praça com algumas mulheres extravagantes de trajes sensuais. Sento-me num banco e observo a ação de algumas delas. Após um instante a contemplar o mundo perdido das mulheres sem emprego, uma delas senta-se no banco onde estou e puxa conversa:
- Veio procurar diversão ou só vai ficar olhando?
A voz é suave, a fala é educada, e no rosto reside um difícil sorriso. Entendendo a pergunta maliciosa, respondo:
- Estou a passeio.
Ela insiste indiretamente:
- A noite está ótima para um passeio, mas posso fazê-la ficar melhor ainda, você não acha?
- Acho... Quero dizer... Não sei.
- Nossa, que homem indeciso.
Ficamos conversando por um bom tempo. Falamos de amor, esse sentimento que agrada e desagrada corações.
Fiquei impressionado quando ela se mostrou entendida do assunto. Interrogou-me de uma tal maneira:
- O que é o amor? Quem inventou essa palavra? Alguém de fato já sentiu isso? O que aconteceu com quem sentiu o amor? Será que todos que falam do amor sabe o que ele significa? Roberto Carlos canta, exalta, ou sente o amor?
- Fiquei perdido diante de tantas perguntas, e durante alguns segundos não se ouviu uma só palavra entre nós. Vendo meu embaraço, ela resolveu quebrar o silêncio:
- A maioria das pessoas tem um universo de explicações sobre o sentimento amor, mas todas são mal argumentadas. Alguns dizem que já amaram, mas esses confundem gostar com amar. Eu tiro por mim mesma...
- Por quê, já gostou muito de alguém?
- Sim, do meu primeiro namorado. Naquele momento, eu era capaz de tudo para viver com ele. Tinha um ciúme danado do rapaz, adorava ficar abraçadinha com ele, vivia dizendo que o amava. Mas assim que ele conheceu uma jovem mais atraente que eu, acabou me largando.
- E você?
- Fiquei profundamente abalada, achei que iria morrer, mas depois que passou algumas semanas, percebi que iria esquecê-lo rapidamente.
- Ué, que amor foi esse?
- Foi isso que me perguntei, aliás, me fiz uma porção de perguntas, e acabei chegando à conclusão que gostar está muito longe de amar, e era isso que eu tinha por ele, o sentimento de gostar.
Quando ela terminou a sua explicação, um carro estacionou em cima da calçada, e o motorista que parecia muito jovem, chamou-a. Após alguns minutos de conversa a mulher com quem a pouco conversava, entrou no carro que saiu em disparada.
Ainda viajando nas coisas que ela falou, me fiz a seguinte pergunta:
- Será que a Tayane me perdoaria se eu transasse com essa mulher?

Bibliografia do autor

Sacolinha nasceu em 09 de Agosto de 1983, na cidade de São Paulo.

É idealizador e atuante do projeto cultural “Literatura no Brasil”, que trabalha com 1.250 leitores cadastrados.

Participa da revista Caros amigos "Literatura Marginal" ato III lançada em Maio de 2004.

Participa de três antologias: “No limite da palavra” editora Scortecci, “ARTEZ - vol. V” Meireles editorial e “O Rastilho da Pólvora” Cooperifa.

Colunista do site: www.enraizados.com.br (Rio de Janeiro)

Presidente do CPD – Sócio cultural Negro Sim.

Sacolinha é ativista cultural, dá palestras sobre literatura e questão racial, realiza debates e desenvolve eventos beneficentes.
Atualmente prepara o lançamento do seu primeiro romance: Graduado em Marginalidade!

Contatos com o autor:
(11) 47495744 / 83252368
Rua Guarani, 413 – Jd. Revista – Suzano – São Paulo – S.P
Cep: 08694-030
E-mail:
sacolagraduado@bol.com.br

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