E nesta quarta-feira, 2/3, teremos a 2ª edição de 2016 da Comunidade do Conto. O tema em que nós, contistas, estamos debruçados é "Álcool e Juventude". Segue o texto do professor Sérsi Bardari, que foi quem mediou a nossa discussão na 1ª edição.
Álcool e Juventude: uma
combinação explosiva
Sérsi Bardari
Jovens e álcool, esse binômio parece
sempre ter dado liga.
Herdeira das tradições greco-romanas, a
sociedade ocidental nunca deixou de beber na fonte dos ritos religiosos
dedicados a Dionísio, o deus do vinho. A celebração dos Mistérios Dionisíacos,
como eram conhecidos tais festejos na Grécia Antiga, implicava a ingestão de
agentes tóxicos, para induzir transes que erradicavam as inibições.
Por vivenciarem um momento em que grandes
transformações corporais e psíquicas ocorrem em suas vidas, era, e ainda é,
comum aos jovens sentirem-se deslocados, ou seja, destituídos de referências
que lhes deem segurança para assumir a própria identidade. Relacionado a essas situações,
na mitologia, vamos encontrar Dionísio como aquele que acorre aos introvertidos,
isto é, aos que sentem vergonha de se expressar socialmente.
Nas
Dionisíacas, festivais de teatro realizados em Atenas, os atores das peças em honra
ao deus do vinho usavam máscaras, símbolos da submersão de sua identidade na de
outrem. Como pano de fundo das cenas teatrais, ocorria a apresentação do coro, fortemente
representativa da dissolução do indivíduo no coletivo. Os membros do coro
dionisíaco dançavam e cantavam em uníssono, de modo que cada participante era
simplesmente fração insignificante do todo. Nesses eventos, regados a muito
vinho, toda a individualidade deveria ser ofertada a Dionísio, para que, por catarse,
pudesse ser reconhecida.
A partir do século XX, o desafio de
assumir a individualidade será tema de discussão constante entre psicólogos e
educadores dedicados a estudar a passagem da adolescência para a vida adulta. As
mudanças no corpo, como tamanho, peso, proporção, surgimento de pelos,
maturidade dos órgãos genitais, entre outras, obrigam o jovem a aceitar a perda
da condição infantil e a projetar uma forma de identidade no mundo adulto. Esse
processo de transformação não raramente emerge acompanhado de medos e fortes
crises existenciais.
O jovem experimenta então uma época em
que sente a necessidade de comparar o modo como ele se vê com o modo como os
outros o percebem. Essas imagens, na maior parte das vezes, não coincidem. A diferença
gera desequilíbrios que se manifestam ora pela recusa, consciente ou
inconsciente, em renunciar aos cuidados oferecidos pelos pais, ora pela
dificuldade em assumir responsabilidades. É o momento em que a tentação de
dissolver-se no coletivo ou refugiar-se no mais recôndito dos isolamentos é grande.
Na atualidade, essa espécie de fuga tem sido verificada, em geral, como um
mergulho profundo no ambiente virtual ilusório das redes sociais.
Os mecanismos de defesa utilizados contra
a angústia inerente a esse período são vários, de acordo, evidentemente, com as
condições socioculturais em que o jovem esteja inserido. Ele pode tanto eleger
ídolos com quem se identifique quanto participar de grupos nos quais os padrões
de comportamento pautem-se por referências bastante claras. Manifestações de
egocentrismo e narcisismo também são passíveis de ocorrer, como forma de tentar
equilibrar o pensamento formal, ou seja, uma visão idealizada do mundo, com a
realidade circundante.
A distância observada entre esses dois
universos é que vai impulsionar o jovem a, em certas situações, negar os
modelos de comportamento vigentes e a tentar empreender revoluções políticas e
sociais, quase sempre frustradas, dadas as imposições fortemente enraizadas na
conjuntura estabelecida no seu em torno. De outro lado, a busca imediatista por
relacionamentos afetivos que o ajudem a livrar-se da dependência emocional da
mãe ou do pai resulta, em muitos casos, em amargas decepções.
Tudo isso, somado a um contexto cultural
em que o álcool surge como droga lícita e de fácil acesso, leva o jovem a
buscar na embriaguez algum alívio para pressões emocionais. Aprende-se desde
cedo, inclusive dentro dos lares, que bebida alcoólica é o combustível ideal
para todas as ocasiões em que a alegria deve prevalecer. Jantares especiais,
festas, churrascos e demais comemorações, até mesmo religiosas, são regadas a
cerveja, vinho, uísque, vodca, cachaça, entre outras.
Além disso, o cinema, a televisão, a
propaganda, em todos os meios, só fazem reforçar os efeitos transcendentes causados
pelos álcool. Elegem ídolos juvenis como testemunhas desse poder. Para além da
alegria, prometem que, pela ação da bebida, é possível solucionar dificuldades e
problemas, tornar-se criativo, fazer sucesso, viabilizar conquistas, empreender
realizações. Enfim, sugerem que, bebendo, se pode obter tudo o que qualquer
cidadão ocidental busca como ideais.
Não se trata aqui de emitir algum juízo
de valor moralista. Apenas observa-se
que, na mente de indivíduos adultos, bem formados, conscientes, reflexivos,
tais promessas são facilmente percebidas como apelos publicitários que movem a
indústria. No entanto, em um país cujo ensino básico é deficitário, em que o
número de famílias econômica e/ou afetivamente desestruturadas é grande, e políticas públicas voltadas para a juventude são inexistentes
ou de péssima qualidade, todo esse incentivo ao hábito de beber pode ser
devastador, especialmente entre população “adultescente”, que busca referências
para a formação da própria subjetividade.
Na falta de mediadores a orientar o consumo
moderado de álcool, a literatura e seu forte apelo catártico pode fazer alguma
diferença.
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