19 setembro, 2005

Negro & Literatura

Pesquisa aponta rompimento do discurso da democracia racial no Brasil
(Marana Borges)

Um estudo aprofundado sobre a representação do negro na literatura infantil e juvenil indicou um universo ainda problemático das relações étnico-raciais. De um lado, os raros livros que trazem personagens negras ainda são escritos por brancos e repetem preconceitos. De outro, estudantes afirmam a existência do racismo no Brasil. “Este pode ser um indício de rompimento do discurso da democracia racial no país, dificilmente observável em outras décadas”, afirma a pesquisadora Andréia Lisboa. Em sua pesquisa de mestrado realizada na Faculdade de Educação (FE-USP), Andréia lançou um olhar sobre um tema que ainda é tabu na escola. Por meio de leituras, desenhos, questionários e discussões, alunos de 5ª a 8ª séries de um colégio público na zona oeste de São Paulo indicaram um cenário contraditório. Apesar de a preferência por padrões estéticos brancos não ter impedido uma recepção favorável às obras que enfocam o negro, a consciência racial esteve presente apenas no discurso racional dos estudantes. “A mídia exerce grande influência sobre os adolescentes”, pontua Andréia, que atualmente é sub-coordenadora de políticas educacionais do Ministério da Educação. Quando questionados quais eram seus artistas e heróis preferidos, a maioria dos alunos apontou ícones brancos. O negro pelas mãos dos brancos
“É um problema de democracia. O mercado não investe nem publica autores negros que tratem da questão racial, como não há espaço para eles em cargos de alto escalão”, critica Andréia. Segundo ela, não havia interesse comercial das editoras até a aprovação da lei 10.639, em 2003, que obriga o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Médio. “Agora as editoras viram que podem lucrar”, revela a pesquisadora. A história dos livros que abordam a temática negra é sintomática do racismo no país. Até os anos 80, a personagem era associada à imagem de escravo, babá ou doméstica. Como alternativa da resistência diante do preconceito no mercado editorial, a partir da década de 90 alguns autores publicaram obras de forma independente. Com pequena tiragem e abrangência local, esses livros contribuem para a representação positiva dos negros. Andréia esmiuçou as características estéticas e temáticas de grande parte da produção editorial brasileira. Segundo a pesquisadora, quando não é especificado o pertencimento étnico-racial da personagem, automaticamente o ilustrador desenha alguém branco. Os livros também não apresentam diversidade de traços nos personagens negros. “A Nauzinha é diferente da Cinderela, que é totalmente diferente de Alice no País das Maravilhas”, afirma Andréia. Em contrapartida, o negro é resumido com lenço no cabelo, enorme boca vermelha e nariz achatado. “Não queremos maquiar a realidade, mas deve-se garantir a diversidade”, defende Andréia. Para ela, os cenários em que está inserida a personagem sempre se relacionam à pobreza. Além do impacto sobre a auto-representação dos leitores, o problema de se formar uma única visão do negro -- pobre --, se alia à constante luta contra o racismo, marca de tantas obras. “A obra literária perde seu objetivo, se tornando uma linguagem denotativa e panfletária”, diz a pesquisadora.



USP Online, 16 set. 2005.

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