A
Família Garcia está em festa, pois quebrou mais um grilhão em sua história. Nos
tornamos Mestres. E talvez poucos consigam entender o significado desse título
para nós.
Meus
avós paternos e meu avô materno, já falecidos, eram analfabetos. Assim como os
demais ancestrais que se perderam em nossa genealogia. Minha avó materna hoje com
92 anos é analfabeta e sempre que vejo em seu RG, a palavra ANALFABETA,
carimbada em caixa alta; sinto uma comoção quase que incontrolável, porque
conseguimos vencer a muralha do analfabetismo e tenho plena certeza de que
nunca mais essa palavra será carimbada em um registro de um Garcia.
Meus
pais, Jorge e Laudimara, concluíram o ensino médio tardiamente. Por incentivo
destes, eu e minha irmã Thais cursamos ensino superior na UNESP, após muitas tentativas,
choros e superação. Fazer universidade pública, não foi um capricho pela
qualidade do ensino ou pelo peso do diploma; foi principalmente, pela falta de
opção. Não tínhamos alternativa, ou éramos aprovadas em uma instituição pública
ou nada. Não tínhamos como custear um curso particular, não havia PROUNI, ou Cotas.
À época, havia apenas o ENEM, que não tinha o peso e a importância que tem nos
tempos atuais, mas ainda assim, foi imprescindível para o nosso ingresso no
ensino superior.
Ao
ingressarmos descobrimos que, mais difícil do que entrar, seria permanecer,
tanto pelas questões socioeconômicas quanto pelos resquícios de uma formação
básica deficiente. Minha irmã Fernanda está cursando Sociologia pelo PROUNI, e meu
irmão Alamim, recentemente concluiu o ensino médio.
Superamos
o analfabetismo, superamos a fome e a miséria que assombrou a infância de meus
pais, superamos as estatísticas que envolvem, principalmente, os (as) jovens
negros e periféricos que engravidam aos quinze; se tornam adictos antes dos
dezoito e morrem de forma violenta antes dos trinta anos.
E
essa mudança no curso de nossa história, se deve a quatro fatores que julgo
fundamentais: o conhecimento, a união, a determinação e às políticas públicas.
O
conhecimento nos retirou do navio negreiro, das rotas da escravidão da
ignorância. O conhecimento está em nosso DNA, em nossa essência e somente nos
será retirado quando sucumbirmos. A união nos fez Família. Somos uma família
imperfeita, como todas, e não temos nada a não ser uns aos outros. Nos
protegemos, nos acolhemos, nos fortalecemos e assim caminhamos rumo a um futuro
melhor. A determinação nos fez acreditar e seguir em frente, mesmo em
conjunturas desfavoráveis. E a existência de políticas públicas, foi
fundamental para mudarmos a nossa história. Não quero reforçar um discurso
meritocrata de “quem se esforça consegue”.
Sim o esforço é um elemento crucial, mas sem as mínimas condições materiais
concretas, não há esforço que baste. Ter acesso universal à educação básica e
superior pública, à saúde pública, às políticas sociais; mesmo que
insuficientes e deficientes, fez toda a diferença para nós que delas
necessitamos.
Sim.
Rompemos esses grilhões em nossa genealogia, e hoje, nos reunimos para celebrar
mais uma vitória. No dia 29/04/2013, após dois anos de pesquisa e dedicação, a
Zootecnista Thais Garcia foi aprovada com louvor na defesa de sua tese, e
obteve o título de Mestre em Sanidade Animal pelo Instituto Biológico do Estado
de São Paulo. A primeira Mestre em nossa família.
Minha
avó, que não teve a oportunidade de aprender a assinar o próprio nome, não
entendeu o que isso significou, aliás, ela acha que a gente estuda demais e que
mulher não precisa disso. Mas, com a sabedoria de quem já viveu muito, ela nos
abençoa e fica feliz, pois sabe que a vida melhorou muito porque sabemos, lemos,
escrevemos. Estamos escrevendo a nossa história.
Débora Garcia.
Thais Garcia em sua defesa
Banca examinadora
Família Garcia, sempre juntos.
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