19 junho, 2006

Entrevista do mês


Entrevista com o escritor Ignácio de Loyola Brandão
Entrevistador: Sacolinha



Literatura no Brasil: A maioria dos escritores escreve para se extravasar, botar pra fora algo contido. Por que você escreve?
Loyola: Para me divertir, divertir os outros, por necessidade, paixão, impulso, para resolver meus conflitos interiores, mostrar o país em que vivo, expressar emoções. Para não ficar louco.

L.B: Na leitura do seu primeiro livro (Depois do Sol, 1965), nota-se muito a autobiografia. Nos fale desse trabalho.
Loyola: A minha jogada no livro é iludir o leitor. Fazê-lo pensar que é minha vida, quando não é. Transporto para o papel as vidas dos outros. “Depois do Sol” revela a noite paulistana, como ela era estruturada, como as coisas funcionavam, os tipos da noite, as putas, os gigolôs, os jornalistas, as stripers, os malandros, a gente comum. Está tudo ali.

L.B: Todo artista tem ou vive um momento de reflexão sobre a vida, alguns acabam se suicidando, bebendo, se drogando ou desistindo de tudo. Você já passou por um momento assim?
Loyola: Eu não. Quando percebo uma coisa estranha no ar, sento e escrevo, vou viajar, desligo.

L.B: A maior dificuldade de um autor desconhecido do grande púbico é achar uma editora que acredite no seu trabalho. Qual é a sua opinião?
Loyola: A maior dificuldade dos autores é encontrar editora. Em geral. Os desconhecidos têm de seguir a trilha habitual. Bater em portão, bater em porta, bater na porta, não desistir. Mais de dez editoras recusaram meu primeiro livro, mas continuei. Na França, o grande André Gide recusou o gênio Marcel Proust. Recusas fazem parte do nosso oficio. Durante anos e anos revistas recusaram contos meus. Escritor gosta muito de reclamar, lamentar, se encher de auto-piedade, não de batalhar. E olhe que hoje em dia se não existe editora, a turma faz tudo no computador e sai vendendo. Plínio Marcos passou a vida vendendo seus livros de porta em porta. O grande Plínio Marcos, olhe lá!

L.B: Como foi para lançar o seu primeiro livro? Ele foi lançado pela editora Brasiliense né?
Loyola: 40 anos depois nem me lembro direito. Sei que um dia me enchi de coragem e fui ao Caio Graco, dono da Brasiliense, junto com um repórter da Última Hora que o conhecia. Deixei com Caio, esperei uma eternidade, nem acreditava mais. De repente ele me ligou e disse: Vou publicar.

L.B: Você já recebeu proposta de alguma produtora de cinema interessada em filmar alguma obra de sua autoria?
Loyola: Recebi, mas recusei. Desisti do sonho do cinema. “Zero” é infilmável , assim como “Não Verás País Nenhum”. Vou revelar uma coisa: o cinema brasileiro atual é muito chato.

L.B: As suas expectativas como escritor foram superadas?
Loyola: Não. Ainda tenho muito a fazer, não estou contente com o que fiz, estou cheio de projetos. Agora, tem uma coisa, me sinto feliz escrevendo.

L.B: Algumas editoras costumam encomendar livros onde o assunto esteja chamando a atenção no momento. Já aconteceu isso com você?
Loyola: Já recebi propostas para fazer livros infantis – ficção olhe lá - dedicados a educar. Me davam o tema, a orientação, a faixa etária, as coordenadas. Mandei a PQP. Não se comanda o texto de ficção. Se o livro que escrevi se ajusta para alguma medida, que usem. Mas determinar o que devo fazer...

L.B: No Brasil o índice de leitores é muito baixo; isso é falta de iniciativas do governo ou falta de interesse da população?
Loyola: Culpa do sistema educacional, dos currículos, do analfabetismo, da miséria geral cultural, culpa da ausência de bibliotecas nas escolas, nos municípios, etc. Culpa do sistema.

L.B: Você tem algum projeto literário coletivo?
Loyola: Não. Sou uma pessoa que só consegue trabalhar sozinha, desenvolvendo projetos próprios.

L.B: Seu próximo projeto?
Loyola: Um romance intitulado “A Altura e a Largura do Nada”. Ele se passa em Araraquara e nele retomo a estrutura do “ZERO”, o livro que me lançou nacional e internacionalmente. Várias histórias que se cruzam e se passam em Araraquara, umas verdadeiras, outras inventadas. Para fundir a cuca, se não que graça tem?

L.B: Quer falar algo que não perguntei?
Loyola: Quer perguntar algo que não respondi?


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