12 março, 2005

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A gravidez de Ana Paula

Filha única de um casal de baixa renda, Ana Paula era o xodó da família. O pai, João Antonio, pedreiro de profissão, trabalhava sempre nas proximidades do bairro em que morava, no Jd Capelinha. Nunca foi de muita conversa, tinha poucos amigos e depois do dia de serviço gostava de tomar uma cachacinha no bar do Clidão, antes de ir para casa. Dona Irene, a esposa, ajudava no sustento da casa mantendo com dedicação um emprego de muitos anos, como arrumadeira num hospital da zona sul. Ana Paula, desde que ficou menstruada aos 12 anos, teve seu corpo desenvolvido, já de moça formada. Na escola, chegou a ser repreendida e aconselhada a não ir de mini saia à sala de aula. Nas ruas, por onde passava, um coro de assobios a perseguiam. Galanteadores não faltavam. Convites para sair e namorar também não. Porém, embora esbanjando simpatia e beleza, ela se manteve distante dos relacionamentos próprios da idade. Terminou o curso ginasial e decidiu fazer o colegial, numa escola técnica no centro de São Paulo.
A mãe, principalmente, relutou em consentir. Dona Irene preferia tê-la sob as vistas e muito tempo gastava em conversa franca com a menina. As precauções que deveria tomar, o cuidado com os rapazes que insistiam diariamente em telefonar. Pois, apesar de ser jovem ainda, é bem verdade, que cedo se fizera um mulherão.
Começou o ano letivo, em abril a moça completara 17 anos e tudo parecia ir muito bem. Até que um dia, sábado à tarde, Ana Paula vai a cozinha e diz para a mãe que a menstruação está atrasada.
Dona Irene gelou dos pés a cabeça. Preocupada foi na farmácia e comprou o teste gravidez. Retornou ansiosa e fez Ana Paula, muito a contragosto, urinar imediatamente. O mundo ali pareceu desabar. O resultado fora positivo. Ana Paula estava grávida. Dona Irene passou a gritar, a chorar, a se lamentar. Tantos foram os conselhos e nada adiantou.
- Quero saber quem é o maldito desse canalha que te desonrou? Fale, Ana Paula! Quem é o maldito?
Assustada, Ana Paula, corre para o quarto. Em prantos, pega o telefone e faz uma ligação. Enquanto isso a mãe esbravejava:
- Abra essa porta! Vá já falar com seu pai.
“Seo” João Antonio a que tudo ouvia, continuou impassível sentado diante da televisão.
Passados vinte minutos, uma Ferrari, último tipo, vermelha, pára em frente da casa. Do carrão desce um homem maduro, elegante, cabelo cheios e grisalhos. Sapatos de cromo, vestindo um terno impecável. Aciona a campainha, Ana Paula vai atendê-lo e depois de um breve diálogo, o leva para a sala. Seguem as apresentações formais, ele se diz chamar Oliveira Candido e então senta no sofá e começa a falar.
- Bem, Ana Paula me informou do incidente. Devo dizer que devido a minha situação familiar, eu não posso me casar com ela. Mas eu assumo a situação e cuidarei de todos os quesitos. Se caso nascer uma menina, posso dar a ela três lojas no shooping Ibirapuera, duas casas, um apartamento na praia e uma conta com 500.000 dólares. Se for um menino, ele terá duas fábricas rentáveis e, claro, 500.000 dólares de poupança. E, no caso de ser gêmeos, também terão duas indústrias confiáveis e 250.000 dólares na conta de cada um. Mas, no caso de um aborto, eu ...”
Nesse momento, “seo” João Antonio, que até então se mantivera calado, se levanta, põe a mão sobre o ombro de Oliveira Candido e diz:

- Meu amigo, no caso de acontecer uma horrível tragédia dessa, eu o aconselho: Come, fode Ana Paula de novo!

Marcopezão (poeta, fotógrafo e jornalista)

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Sobre choro e nó na garganta

Trecho do livro "Dente-de-leão: a sustentável leveza de ser" - Escritor Sacolinha