04 março, 2005

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Esse texo abaixo é da poetiza Elizandra que também estará presente no evento de amanhã aqui em Suzano.

5ª Fase

Sou seu HIV

Divirta-se!
No seu momento de distração, transcendência, gozo e alucinação. Sutilmente penetro na sua fortaleza, injeto meu vírus. Ai, que beleza! Demoro um tempo para ser percebida, quando perceber já estou acabando com a sua vida, vou acabando com sua imunidade, como corda vou amarrando seus braços deixando-te sem mobilidade. Seus glóbulos brancos vou matando sem piedade, sou poeta destruidora de alienação, saudando minha ancestralidade, combatente, militante contra a padronização.
Onde diz que a loira é bonita, e que o feio está em mim. Enganou-se, pois, sou descendente de Zumbi, resistente que nem Anastácia, liderança feminina feita a Dandara. Posso organizar um esquadrão de talentos marginalizados assim como Luiza Mahin na revolta do Malês linha de frente. Posso me incorporar com marinheiro dominando as náuticas João Cândido guerreiro. Ainda continuamos nos porões. Lixo, esgoto, escravidão e senzala, são heranças que nos foram deixadas. Iguais a mim existem vários na missão, organizando-se, se armando de informação. Para voces somos algo negativo, como o vírus do HIV no organismo. Cada dia mais vamos nos fortificando e se proliferando, somos veneno e não temos antídoto. Espalharemos a destruição, destruiremos essa herança escravocrata, estrutura capitalista, racista, exploradora, deturpada.
Ah! Se achar que acabou se prepare, pois agora irá ouvir o que nos tem fortificado. Foi o seqüestro que me trouxe a esse continente. A condição desumana que fui transportada junto aos dejetos, os estupros como se eu fosse um animal, os ferrões no meu corpo simbolizando que agora eu era seu objeto, seu brinquedo vivo de certo. Sou nascida de sangue, suor, lágrimas, acuada, desprotegida como rato na frente de um gato.
Minha religião foi amaldiçoada, e a sua dizia que eu não tinha alma, dominaram minha língua e impuseram a de vocês, como se a minha nada representasse. Meus seios cheios de leite por seus filhos eram sugados, enquanto os meus bebês morriam de fome e maus tratos. E assim fui nutrida com a ajuda dos orixás, resisti até aqui no século XXI, sendo que na minha casa falta o pão. Na infância faltaram-me os brinquedos para a diversão. Fui crescendo alimentada pelo descaso, pela fome, pela negação de oportunidades, sem políticas públicas, sem escola, sem faculdade. Hoje quero reparação, mesmo que não apague as chicotadas. Quero vida decente para a futura geração. Sei que vocês continuam se achando superiores, mas não se esqueça que sou seu HIV. Estou entrando devagarzinho e levarei aos poucos tudo que nos foi roubado.


Elizandra de Souza é poetisa
milita nas questões sociais e raciais .



Tente responder.
O que pode acontecer com um jovem pobre que perdeu seus pais, amigos, a juventude, a dignidade e que pra manter a honra e a vida teve que matar?
A resposta está no livro "Graduado em Marginalidade", do escritor Sacolinha, que será lançado neste ano de 2005.

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Sobre choro e nó na garganta

Trecho do livro "Dente-de-leão: a sustentável leveza de ser" - Escritor Sacolinha