Amor de urna
(Marcopezão)
O domingo amanheceu choroso. A garoa fina carregada pelo vento embaçando o dia. De posse dos instrumentos de trabalho, colocou a bolsa tiracolo e caminhou porta afora. Já no portão, a falta de entusiasmo para enfrentar o tempo adverso o fez recuar.
De volta à cozinha tomou outro café. Acendeu mais um cigarro. Vai não vai? Melhor ficar. Angústia querendo atolar. Estresse! Toma coragem, valente. Caminha, avante. Não deixe o bicho pegar, sussurrou a si mesmo.
Na rua, inúmeros cartazes nos postes emporcalham a molhada visão. Democracia, as eleições se aproximam. Os carros de sons apregoam candidatos; males e benefícios, projetos e milagres.
O bate-bola enfocado na câmera fotográfica. O futebol sendo jogado. Disputado em baixo de fina água, no terreno lamacento. A várzea fria aquecida pelos amigos que encontra. A mesma batida dominical. Religiosidade. Marmanjos feito crianças. Rotina semanal. Segue anotando gols em partidas várias. O empate de Rejeitados do Maria Rosa versus Meninos do Taboão. O Bangu vencendo o Santos do Piraju. E, no final da tarde, a vitória do Morro sobre o Pirapora.
Os afazeres poderiam ter terminado naquele copo de cerveja. O ônibus leva seu corpo, mas a cabeça já está em outro plano. De volta ao doce lar sem mel, o banho refaz. Almoço e janta pontuam 18 horas. A friagem aumenta e ele volta a ter o pé na estrada. Renova as pilhas, preparando o flash noturno.
Um circular pára ao seu aceno. Retomado o sacolejo, uma moça oferece o lugar: “Senhor quer sentar?” Negou com agradecimento a gentileza, mas certamente pensou: “Será que estou tão velho assim?” Preocupado, buscou encarar a imagem refletida no vidro à sua frente.
Agora outra balada. Pessoas reunidas à praça no Jardim Clementino acompanham o showmício eleitoral. Uma Brahma lhe é servida. Saboreia apreciando o movimento, esperando o momento de clicar ação. Mais rápido que o abrir e fechar da cortina do diafragma entra em cena um certo Domingues; saído de uma história teatral. O aborda e lhe diz inverdades, ferindo a razão de sujeito sério. Como uma facada vil e cortante, as palavras o atingiram denotando seu semblante. A resposta aguda e irada sapecou e despachou o desafiante. O sangue no rosto vermelho se misturou ao gosto do Capeta, batida com champanhe e amendoim.
“Ai de mim” - disse a moça chorosa, ao lado, observando-o com insatisfação. Nervoso e procurando conter outro drama, refugiou-se com ela num canto atrás de uma Kombi.
- O que tem você, criatura? Primeiro aquele imbecil, agitado por esse clima de disputa eleitoreira, pela falta de ética, de boatos, patifarias, e mentiras mil, me diz desaforos e rompe uma amizade que até então era franca e cordial. E, assim, num instante, a afeição jaz fraca cerceada de pensamentos maus. Diga, o que você tem criatura?
Enxugando a lágrima murmurou: “Eu ouvi a discussão. Para que se preocupar? Amizade é apego que passa e volta sem maior apreço, se encontra sem esforço, de graça.” E acrescentando ávida por dengos e beijos: “Mas o nosso caso é diferente. Pela sua indiferença em não me ligar durante a semana, dói muito constatar que amor conquistado na campanha de eleição sempre e tão somente acaba na urna”.
E desatou a chorar.
Marcopezão, é um dos
coordenadores da Cooperifa.
Vem aí o livro “Graduado em Marginalidade”, um romance urbano contemporâneo, primeiro livro do escritor Sacolinha!
Portas abertas
O projeto cultural Literatura no Brasil, está aceitando textos para serem divulgados na “Sexta Fase” do projeto, que será lançada em agosto de 2005.Todo texto que o projeto recebe, é analisado por uma comissão literária e se aprovado for, será trabalhado durante quatro meses (Uma fase).Debates, palestras, rádios comunitárias, exposições, eventos, feiras literárias, saraus, encontros sociais, e Internet, são os ambientes onde o Literatura no Brasil divulga os textos.Áqueles que trabalham com literatura, ou seguem a carreira de escritor, não percam essa oportunidade, são mais de 1.400 leitores de todo o Brasil, cadastrados com o projeto.
Á direção.
11 julho, 2005
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