09 julho, 2005

Conto...

Degradação

- Não sabe fazer as coisas na encolha, olha aí o que dá. A corregedoria caiu em cima, e o pior é que sujou até eu. Está afastado entendeu, ou melhor, me dá a farda e o ferro, esquece que você foi da polícia...
As últimas palavras do meu ex-superior ainda ecoam em minha mente. Porra, como eu pude vacilar daquele jeito, bater no garoto na frente de centenas de pessoas. Que garoto que nada, era um nóia isso sim, e por isso tem é que apanhar mesmo. Mas o pior é que eu não me controlei, bati a ver sangue. Foi merecido, não me arrependo. Além do mais já estavam de olho em mim fazia tempo, ia rodar de qualquer forma.
É, que falta me faz a farda, três meses sem ela e me sinto um verme. Uma ora ou outra aparece um bico de segurança pra fazer, dá pra sair da rotina mas nada que vale a pena.
O difícil é ficar em casa de dia sem fazer nada. Ficar olhando pra cara da mulher dá até nojo. O bom era quando eu fazia parte da corporação, várias noites com as prostitutas do Largo Treze, era cocaína e sexo, sexo e cocaína. Vixe, só de lembrar me dá até tremedeira. Mas acabou. Adeus extorsão, torturas, tapas na cara, mulheres fáceis, cocaína, mordomias...
Vou à rua ver se tem alguém pra jogar conversa fora.
Pô, não tem ninguém. Então vou lá no bar do Toicinho.
Cheguei no boteco, cumprimentei os presentes e pedi uma dose de conhaque. Mais uma vez o santo ficou de lado, mal senti o gosto da bebida, só a queimação na garganta.
Os clientes são os mesmos de sempre, três ou quatro pingaiada que chegam aqui na hora que o bar abre e só saem quando o dono da birosca desce a porta. A conversa gira em torno de fofoca, pasmaceira, nada aproveitável, mas vou ficar por aqui, é melhor do que transar com a minha mulher.
A noite vem caindo... Opa, vai começar a novela das sete, é hoje que o doutor vai ser desmascarado.
Ultimamente me apeguei a assistir as novelas, não me leve a mal não, mas cá pra nós, tem coisa melhor que isso?
Mandei o Toicinho pendurar o conhaque que tomei, me despedi dos amigos e sai andando. Serrei um cigarro de um tiozinho que passou por mim. Dar uns tragos é bom , faz eu relaxar, é como uma massagem corporal.
Chegando em casa, vi tudo escuro e umas velas acesas, cheguei a pensar que era para os santos, coisa de mulher sabe, mas quando perguntei, ela disse que a luz havia acabado.
- Caralho, logo na hora da novela.
Saio novamente pra rua e sento na calçada, fico pensando na minha mulher. Quatro anos de casado e a desgraçada já engordou. Não faz mais comida como antigamente e fica o dia inteiro a tagarelar com as vizinhas. Da minha parte, tirando a barba que eu não faço há dias e os pêlos nas partes íntimas, até que não estou nada mal.
Lá na ponta da rua está vindo a gostosona da vizinha, que pernas... Vixe, os pernilongos estão enchendo o saco. Vou descer e tentar dormir, quem sabe eu não consigo acordar tarde amanhã. Dou graças a Deus quando isso acontece. Acordo no meio do dia, fumo um cigarro aqui, jogo uma conversa fora ali e quando menos espero já é noite, hora da sessão de novelas. Depois é só dormir, mais um dia vencido.

Ademiro Alves (Sacolinha)
autor do livro: Graduado em Marginalidade,
que será lançado em agosto.

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