VAMOS À LUTA
No texto anterior em que eu falava sobre as dificuldades de lançar meu livro , e ao mesmo tempo, suportar as dores diárias da sobrevivência, muita gente se identificou com a minha luta. Nenhuma surpresa nisso, pois desde que nascemos, as pedras se espreitam em nosso caminho. E a briga pelo leite, o choro, já era o nosso grito de que não aceitaríamos tudo calado. Infelizmente alguns deixaram de gritar, por isso choram até hoje. "Não tenho dó de quem sofre, tenho raiva de quem faz sofrer"(minha).
Sei de vários que estão na luta e merecem o meu e o nosso respeito, são os quixotes da periferia. Não só os da periferia geográfica, mas todos os que vivem no centro do esquecimento da humanidade, quer seja artista(?) ou não. Aliás ser artista neste país não é um privilégio e sim um castigo, não sei porque tem tanta gente metida a besta só por conta disso. Tristes figuras.
As vezes os vejo por aí, os guerreiros, correndo atrás de sonhos e também me vejo neles, sou um deles também, nunca deixei de sonhar, coleciono pedras, mas tambéms semeio quimeras. Vejo e me identifico com a luta, outras vezes, obeservo-os em silêncio e penso no que será que eles estão pensando,ou como deve ser a casa deles, e na maioria das vezes, quantos inimigos devem ter, e a única coisa que tenho certeza e sei é sobre os que eles comem: poeira e lama.Seja procurando um emprego no centro da cidade, um cd demo debaixo do braço, uns poemas numas folhas de sulfite amareladas e sujas, um simples bico de pedreiro, boa parte desses guerreiros passam a vida lutando e não se importam com as portas pesadas que cada vez se fecham mais, para a nossa gente que nasce sem as chaves certas e programadas.
Dia desses numa escola um moleque me falou que não tinha talento pra nada, lhe perguntei quantos anos tinha e ele me disse que tinha quatorze anos, respondi que se ele nao tivesse talento não teria chegado àquela idade, e se quizesse ter a minha, 42, teria que ter mais talento ainda, não pra ser poeta que é uma grande bosta, mas para estar vivo para dizer isso para outro jovem. Disse também que não precisávamos de mais poetas, músicos ou jogadores de futebol, já os temos demais, mais que necessitamos de novos engenheiros. advogados, dentistas, administradores de empresas ou simplesmente ter bons empregos para dar conforto a família. "Ah, tio isso é muito difícil". Disseram alguns. Respondi: "eu sei, é por isso que temos de começar agora." Alguns desistiram, outros não decidiram, em compensação encontrei um deles na rua outro dia que valeu pelos meus dias: "poeta quero ser advogado, ano que vem vou tentar entrar na faculdade". O brilho em seus olhos garantiram que ele não desistiria.
E a chave de tudo é não desistir, não há outra saída que não a perseverância, a teimosia, devemos abolir a palavra covardia do dicionário. Devíamos proibi-la de ser mencionada em nossos lares, nas ruas, nas escolas, nas praças e em todo o país. Medo não é covardia, não enfrentar o medo é que é covardia.
Chega de contar os mortos, muito deles vivos entre nós, mas a hora é de alimentar a vida e evitar a água potável que nos servem no conforto do lar, vamos matar a sede na fonte dos rios, lá onde bate o coração daqueles que não se entregam antes da luta. Lágrimas não enchem barriga e as desculpas são sempre as mesmas, e o que é pior, são sempre os mesmos nos muros das lamentações. Vamos derrubar o muro, agora! Tá proibido chorar sem lutar.
Vamos à luta! Não dá mais pra esperar, as quebradas estão mais quebradas do que nunca e precisamos estar inteiros para consertá-las. Agora é a hora!
Tá proibido também dar o ombro para o outro chorar, que vá chorar na puta que pariu ou no raio que o parta. Temos que andar com os braços abertos, para puxar quem está atrás e se segurar em quem está na frente, a nossa corrente humana. Então comigo:
Coração em chamas, sorriso no rosto, punho fechado... 1, 2, 3, recomeçar!
Tem que ser agora!
Da trincheira,
Sérgio Vaz, poeta e ex-vítima do destino
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