29 maio, 2006

Conto inédito

Incógnita

Hoje fui ao centro da cidade. Andando e vendo as vitrines, notei meu reflexo nelas e não reconheci a mim mesmo. Estava transfigurado, baixei a cabeça e continuei andando.
Sentei no banco da praça, os pombos voavam pra lá e pra cá, tudo estava normal, mas não comigo: eu sentia uma perturbação… um incomodo… uma...
Levantei, não conseguia ficar parado, pois meus devaneios me pegavam de assalto, me arrebatavam a um lugar frio e solitário, não... não consigo ficar parado. Caminhei em frente à santa sé, olhei o campanário, por alguns segundos pude vê-lo até que o sol ofuscou meus olhos; engraçado, eu quase estou acostumado com isso, o brilho... o brilho sempre ofusca minha retina... tudo é tão nítido que eu não enxergo, tudo é tão claro que eu não consigo ver... sempre foi assim, sempre procurei o escuro para poder enxergar melhor. Ah, que ironia...
Baixei meus olhos e vi o vigário, olhava-me com desdém, o por quê eu desconheço, virei meu rosto e continuei minha marcha para algum lugar e lugar algum.
Gozado, achei que depois de tudo o quê aconteceu eu fosse me desfazer feito fumaça, mas não, estou resistindo. Uma noite já se fora e consegui sobreviver, não me lembro como foi a noite, mas... bem... estou resistindo.
Parei sobre o meio fio, olhei no outro extremo da rua, o sinal ainda estava vermelho, como se refletisse os meus olhos, em chamas, afogueados... verde, os que estavam a minha volta passaram apressados, também atravessei, mas não com pressa, lento, devagar, já não tenho mais pressa, não quero correr.
Repentinamente me bateu novamente aquele desespero, sim aquele desespero igual ao de ontem à noite, igual ao de um minuto atrás… merda, cadê você…? minha respiração acelerou, acelerou mais, mais... agora eu já quase não respiro, sinto algo em minha garganta, algo entalado, um bolo, sei lá... corri, corri tentando deixar para trás meus pensamentos, mas quanto mais eu corria mais eu ficava atormentado...
“Não”, gritei alto, com as mãos na cabeça. Parei na calçada, os transeuntes olhavam para mim com medo, sim eu via o medo estampado em suas faces feias, todo mundo é feio, tudo é cinza… “não”, gritei novamente, eu não quero pensar…
Continuei caminhando, consegui tomar as rédeas de mim mesmo ou não, agora estava inerte pensando em uma solução de como fazê-la voltar, agora parecia um zumbi, inerte… inerte... inerte. A calçada acabou, mas não vi a calçada acabar; ouvi uma buzina e um “sai da rua filho da puta”; parei, senti o vento do automóvel levar minha roupa... olhei para o outro lado da rua, o sinal ficou novamente verde, pude atravessar, apesar de quase ser atropelado, continuava, com o pensamento longe.
Vi você Íris, caminhando em minha direção e um sorriso igual ao da Gioconda desenhou-se em meu rosto, estava ficando próxima, mas... não, não era você... respirei fundo, engoli seco e novamente senti minha garganta apertar; meus olhos, me traindo quiseram expulsar uma lagrima: “não”, disse baixinho a mim mesmo, e olhei para cima para reprimí-la. Um ônibus parou ao meu lado, pessoas subiram e outras desceram; alguém me cumprimentou… quem era? Não faço idéia, não reconheci.
Subi o viaduto, parei no ponto mais alto, justo onde passa a linha do trem, olhei para baixo, os trilhos, os fios, os dormentes, era como se fossem imãs, me atraiam, me chamavam, me puxavam para baixo. Subi na grade e… pulei. A sensação de estar caíndo me fazia sentir bem; posso dizer que este foi o único momento destas vinte e quatro horas, depois do fim, que eu não pensei em você; acho que nem pensei em nada. Caí, senti um forte impacto no corpo todo que durou apenas um milésimo de segundo…
E foi esta a única solução que encontrei para não pensar mais em você Íris. Agora, no escuro, estou bem melhor…

Willian de Lima

Presidente da Associação Cultural
Literatura no Brasil

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