04 janeiro, 2007

Crônica do Pezão

Entre Deus e o Diabo, a cruz política.

Marco Pezão

Quando Pelé era ministro, e a idéia dos bingos ganhou pernas para serem instalados definitivamente em solo nacional; tendo como base que parte dos lucros seriam destinados ao programa de incentivo ao esporte amador, não vi mal algum.
Pior, acreditei que seria possível.
Vieram máquinas caça níqueis e pensei: Joga quem quiser...
Ledo engano. Ledo engano.
Hoje, parado diante do vídeo, apostando que a sorte irá me sorrir, mesmo depois do halloween levar os cem reais que estavam a pouco no meu bolso, arrisquei em ato de desespero a última nota de dez e refleti: Ouro de tolo, jogo é coisa do diabo!
Tomei mais uma cerveja a fim de ludibriar o pensamento e, quem sabe, amenizar a raiva de mim comigo.
Ao lado, uma dezena de pessoas compartilha o ato de apertar o botão e ver passivamente a tela girar.
Meu instante pareceu se prolongar indefinidamente. Um riso de deboche e uma sarcástica voz, apenas eu ouvia: Idiota!
Eu via o que não via...
Tomando a forma de crescente mancha vermelha, vi vícios e a degradação se espalhando pelas ruas da paulicéia. Casas de prostituição e igrejas servindo no mesmo prato, o céu e o inferno.
Viadutos rompendo-se em fabulosos precipícios. Arco íris transformado em espirais de fogo, simultaneamente, desfigurando a rosa dos ventos. Tempos outros. Sem futuro, nem passado. E o presente sob o pinheiro enfeitado anunciando à proximidade do natal.
Havia uma varanda no alto de um prédio e nela, o finado Tancredo Neves, dizia: “Enquanto houver um brasileiro sem pão e sem trabalho, toda sinceridade será falsa”
Sentado na cadeira de balanço a olhar estrelas em dia claro, eu plagiava o poema de Mario de Andrade e oferecia taxativamente a silenciosa multidão:
“Eu insulto o político! O político-níquel. O político-político! A digestão bem feita de São Paulo! O homem-curva! O homem-nádegas! O homem que sendo europeu, brasileiro, americano, é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias! Os barões lampeões! Os condes Joões! Os duques zurros! Que vivem dentro de muros sem pulos e gemem sangues de alguns reais fracos. Eu insulto o político funesto! O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições! Fora os que algarismam os amanhãs!
Morte ao salário abusivo! Morte ao salário mínimo. Morte às adiposidades cerebrais! Morte ao político-mensal! Morte ao político-burguês! Morte ao político-operário. Ao político-cinema! Ao político-passagem, aquele que nunca sabe de nada.
Come! Come-te a ti mesmo. Oh! Gelatina pasma! Oh! Purée de batatas morais! Oh! Cabelos nas ventas! Oh! Carecas!
Ódio aos temperamentos regulares! Ódio aos relógios musculares! Morte e infâmia! Ódio à soma! Ódio aos amigos! As mentiras e invejas. Ódio aos secos e molhados! Ódio aos acertos e enganos! Ódio aos bancos que faturam trilhões. Ódio às invasões via Internet. Ódio às guerras e a paz falsificada... A cultura. A cultura massificante. Ódio.
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio! Morte ao político de giolhos, cheirando religião e que não crê no Divino! Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico! Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom político!”
Instintivamente com uma dedada travei a jogada. Uma trinca de capetas apareceu na linha horizontal. O suor frio que corria a testa estancou. Fiz as contas. Noventa: nove fora, nada. Perdi dez, estou no lucro!
Já era manhã, dia seguinte, e, retornando da padaria onde fui tomar café, só aí caí em mim. Um sujeito ensandecido chutava a caixa plástica de recolhimento de lixo presa a um poste.
O reconheci. Era o cara que jogava na máquina vizinha. Totalmente alcoolizado praguejava os mais terríveis impropérios. Não foi difícil imaginar o tamanho do seu prejuízo.
Entre Deus e o diabo, a cruz política. Esta que carrego. Onde é que eu vou descarregar a minha ira?
Mas, meu Jesus Cristinho, pela fé que me resta, só depende de mim, eu o sei, porém, por via das dúvidas, fazei que eu renasça outro...
É ano novo, e, então, a velha história recomeça...

Marco Pezão

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Sobre choro e nó na garganta

Trecho do livro "Dente-de-leão: a sustentável leveza de ser" - Escritor Sacolinha