17 janeiro, 2007

MANIFESTO DO POETA MARCELLO RICARDO ALMEIDA

Há quem impeça, em pleno século XXI, uma biblioteca em cada município alagoano? O sertão alagoano, de onde eu venho, continua sedento por livros, sedento também o litoral, aonde eu fui. Não se fala em cada bairro – o que seria razoável -, fala-se em cada um dos municípios. Entregue as chaves dessa casa do saber às mãos de um grêmio literário, de uma agremiação estudantil, de um padre, de um grupo de teatro, um pastor, uma boa alma. Estimular intelectuais alagoanos a manterem ininterruptos contatos com essas sementes de livros (bibliotecas espalhadas em Alagoas. Vamos desenterrar os talentos. Fazerem os líderes políticos e religiosos acreditarem que o Paraíso é um lugar cheio de bibliotecas), oxigenando-as com ilustres visitas de alagoanos dramaturgos, poetas, contistas, ensaístas, roteiristas, cronistas, juristas, romancistas. E Alagoas passe a ter a lembrança desses intelectuais que honrariam quaisquer lugares do mundo; e que eles sejam modelos em lugar da violência e do analfabetismo.
Uma biblioteca em cada município. Nas linhas do poeta de Palmares: “As minhas Alagoas são outras”. As minhas Alagoas também são outras. Os escritores alagoanos são muitos, muitos intelectuais que honrariam quaisquer lugares do mundo; esta luz continua embaixo da mesa. Tenho insistido em minhas palestras, criação de escolas de escritores, encontros, simpósios, festivais de poesia, concursos literários e premiações para que esta luz seja levada para cima da mesa. A imagem de Alagoas não pode continuar sendo as faces da violência (a tragédia) e do analfabetismo (a comédia). Todos nós temos uma grande dívida com Alagoas. Para solvê-las, muitas caixas de livros ainda terão que ir de mãos em mãos. Uma academia de letras é uma instituição de grande responsabilidade social; a imortalidade de seus acadêmicos não representa um tácito contrato com Deus para imortalizar os intelectuais em suas cadeiras perpétuas. O pai de Capitu, Machado, co-fundador da primeira de nossas academias de letras, quis moralizar o escritor; as academias de letras depois de Machado de Assis se justificam se concorrer para moralizar a sociedade.
A imagem de Alagoas não pode continuar sendo as faces da violência (a tragédia) e do analfabetismo (a comédia). O que atrai? Cabeças de bandoleiros nas portas de igrejas em latas de querosene? O que atrai? A vampirização dos noticiários? O que atrai? Ninguém em Alagoas publica mais um livro? Ninguém mais estréia um filme, uma peça de teatro? O que atrai? Ninguém mais inaugura uma exposição? O que atrai? Por que nunca mais se festejou a construção de uma outra universidade federal? O que atrai? Não se inaugura mais um museu? Aonde anda a multiplicação do número de boas escolas públicas? Continuará utópica a democratização do saber? A imagem de Alagoas não pode continuar sendo as velhas faces da violência (a tragédia) e do analfabetismo (a comédia). Estamos no século XXI. O século da erradicação da miséria humana. Os nômades no deserto africano não acreditavam no fim da escravidão, mas a escravidão chegou ao fim até mesmo àquelas caravanas de camelos e homens antigos que ainda hoje caminham no Tenerê como fizeram seus antepassados há centenas de anos.
O livro publicado em Recife, Maceió, Aracaju consegue atravessar a ponte? Quem conhece quem, se atravessar à ponte? Não se sabe. O livro publicado em Santana do Ipanema ou em Pão de Açúcar, dificilmente será conhecido em Maceió. Se o livro nasce em Delmiro Gouveia ou em Feliz Deserto, como consegue atravessar a ponte se continua “inédito”? Como chegar o livro às mãos do povo sem bibliotecas? Quem conhece quem, se atravessar à ponte? Não se sabe. Ao menos consegue atravessar a rua? Não, ainda assim; o vizinho da frente desconhece a escritura do vizinho de porta. E a literatura de quem escreve consegue atravessar a calçada? Há quem não tenha certeza. Às vezes, a boca está cheia de um Ginsberg ou de outros intelectuais estrangeiros, ídolos de pano que nunca ouviram falar em Maceió ou em Santana do Ipanema, v.g., nem na Serra do Almeida, ou da Maravilha e do Poço onde muito se falou na existência de um cemitério de elefantes. Mas os adoradores de Caramuru salivam ao pronunciar Shakespeare, pronunciar Joyce, pronunciar Kafka, pronunciar Brecht, pronunciar Elliot, cumming, Rimbaud, Whitman; e dizem muitas partes de seus livros numa decoreba típica de quem sofre do Complexo de Caramuru. Eles elogiam Fausto, de Goethe, mas se enojam dos poetas de cordel. Será que escritores de lá têm os nomes dos escritores de cá na ponta da língua? Quantos, aqui mesmo, conhecem quantos dentro das páginas de Alagoas? Alagoas estuda a Literatura Alagoana desde o ensino fundamental ao universitário?
Quem imortaliza os acadêmicos de uma academia de letras? Seus livros indo de mãos em mãos. O sertão alagoano continua sedento por livros, sedento o litoral. Todas essas academias de letras têm o compromisso em levar os livros de mãos em mãos. O que impede, em pleno século XXI, uma biblioteca em cada município alagoano? Qual o lugar que não faria bom proveito do legado de Graciliano Ramos? Quebrangulo. Qual o lugar que não faria bom proveito do legado de Brenno Accioly? Santana do Ipanema. Os exemplos se vão a progressões geométricas. Existem verbas municipais, estaduais e federais para a criação de museus, escolas e afins; investimentos da iniciativa privada existem. Mediante projeto, cada município, com ou sem inesquecíveis intelectuais que honrariam quaisquer lugares do mundo, vai sonhar; e, aos poucos, as duas faces (tragédia e comédia) violência/analfabetismo não mais irão amedrontar as ruas de Maceió. E cada município fará o seu caminho caminhando.
É correto afirmar que muitos livros são espécies de clarões para quem ler ou escuta falar a respeito deles. Quem planta um livro, quem acende esta luz, o primeiro a ser beneficiado é o agricultor, o primeiro a ser iluminado é quem acende a luz. Algumas crianças descobrem a existência dos livros em A Cachoeira de Paulo Afonso, outras em Grande Sertão: Veredas, ou ainda em Vidas Secas, ou quem sabe em João Urso, ou em Infância. Infância de cada um é cheia de surpresas e cabe, desde ontem, fazer com que essas surpresas (habitantes das bibliotecas) sejam as melhores possíveis.
Marcello Ricardo Almeida

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