26 fevereiro, 2006

Crônica!

Marrocos

(Marcopezão)

Tomando pose no carro alegórico. Homenageado, merecidamente. Sentado sobre a plataforma. O corpo erguido. A cabeça grande de orelhas caídas. É o próprio Marrocos.

Marrocos é quem fazia a liberta vigilância no campo do Unidos do Morro, no Jd Mituzi. Tranqüilo em sua quietude. Observador. Às vezes latia alto e rouco, dando pinotes para dentro do campo atrás da bola. No lombo levava certa idade, não o conheci antes. Mas era um cão Fila que impunha respeito.

Marrocos de cor cinzenta. Quando abria a bocona, eu pensava na força da envergadura. Amigo dos amigos. Assim era Marrocos, grandão e chegado.

Marrocos morreu. Quando soube julguei ser de velhice. Na boa. Mente feita. Porém, passado algum tempo, ouvi dizer que alguém o envenenou. Mas quem o faria? Impossível não gostar daquele cachorro. E eu prefiro não acreditar que haja pessoa com desalento em tal pensamento, assim cruel.

Marrocos reinou como único guardião da quebrada, e foi soberano. Tão querido que virou símbolo da agremiação. Mais que ela, símbolo da comunidade azul e branca do morro.

E, agora, prestes a entrar na avenida, vejo Marrocos sendo reconstituído pelas mãos do tio Viola. Encomenda urgente, arte. Que, no conhecimento da massa bisqui, habilmente, foi objeto de lembrança em forma e sentimento.

Passava das 20horas, e o Tio Viola mostrou a obra em fase de acabamento. Faltando a pintura, e a língua que será posicionada de lado, saindo da enorme boca. Antevejo o final, e me emociono no clique da lente.

O artista. Nêgo véio, de muito carnavais vividos. De “mile” ano nossa amizade, como se diz na gíria. Tio Viola amarga na pele toda violência dos preconceitos.

Antes, nós havíamos visto a feitura das simples fantasias; na garagem servindo de “barracão”. Depois fomos ver a bateria reunida no aquecimento. Tomamos duas latinhas na barraca do Langa, e o Tio Viola se despediu para descansar, pois, havia muito trabalho a ser feito, dia seguinte, para que o Marrocos fique pronto para o desfile no domingo.

Em volta da estreita praça, a rua, o improviso criou um local de cultura. O caminhão de som do Joca fechando a passagem de carros. O comércio de churrasquinhos, cervejas e batidas ganhou extensão. E, o ensaio da Unidos do Morro virou atração envolvente em número de pessoas reunidas em noite clara e quente, sem o ameaço da chuva.

Platéia que acompanha e transpira à medida que o surdão passa a marcar o ritmo. As pequenas alas se formam. Nas cordas do cavaquinho, Diney do Gueto faz soar a melodia e os couros se agitam. A animação envolvente mexe, e faz o corpo mexer.

Ensaio geral, sexta feira, Taboão da Serra. As palavras de ordem. O canto. O clima. Sonhos. Voraz realidade. A distância das passarelas desfila no tocante samba enredo. Poucas lantejoulas somam esse brilho, mas ele é intenso. Nascido na adversidade da periferia, e, por isso, verdadeiro, feito o Marrocos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sobre choro e nó na garganta

Trecho do livro "Dente-de-leão: a sustentável leveza de ser" - Escritor Sacolinha