31 março, 2006
Poesia Inédita
Porém
Queria ter vivido melhor,
Porém a mediocridade sempre me foi farta e generosa
Nos caminhos que escolhi para viver.
Queria ter sido mais alegre,
Porém a tristeza sempre foi companheira fiel
Nos dias intermináveis de abandono.
Queria ter amado mais as pessoas que conheci
Ou que fingi conhecer,
Porém na maioria das vezes, eu também não me conhecia.
Queria ter andado mais livre,
Porém, algemado à ignorância, perdi muito tempo
Tentando voar sem sequer saber andar.
Queria ter lido mais livros,
Porém, analfabeto de ousadia, passei muitos anos
Enxergando pelos olhos adormecido de outras pessoas.
Também queria ter escritos mais poemas
Do que bilhetes pedindo desculpas,
Porém, as palavras sempre me vieram como culpa
E não como estrelas.
Queria ter roubado mais beijos e abraços
Das meninas que andavam desprotegidas,
Protegidas pela magia da infância,
Porém, cresci muito cedo, e a timidez sempre me foi
Uma lei muito severa a ser cumprida.
Queria ter pensado menos no futuro,
Porém, o passado simples nunca foi o melhor presente
E a eternidade sempre me pareceu coisa de gente que tem preguiça de viver.
Queria ter sido um homem mais humilde
Porém, a vaidade e a ganância sempre me cercaram
De mimos e coisas que até hoje não sei para que serviram.
Queria ter pregado mais a paz,
Porém, como um covarde, gastei muita munição tentando atingir amigos e desconhecidos que não usavam coletes à prova de balas nem blindados no coração.
Queria ter sido mais forte,
Porém rir dos vencidos e bajular os mais ricos
Sempre me pareceu o caminho mais curto
Para o esconderijo secreto das minhas fraquezas.
Queria ter dito mais a verdade,
Porém a mentira sempre foi moeda de troca
Para comprar o respeito e a admiração das pessoas fúteis
De almas vazias.
Queria que o mundo fosse mais justo
Porém, avarento de nascença, fui o primeiro a esconder o sol na palma da mão, antes que o vizinho o fizesse.
E mesquinho por vocação escondi as noites com lua
Para que os poetas não a cortejassem.
Queria ter dito mais besteiras,
Porém fui desses idiotas amantes das proparoxítonas
E sujeito oculto nos bate-papos de botecos de esquinas,
Onde a vida não acontece por decreto.
Queria ter colhido mais flores,
Porém o medo de espinhos afugentou a primavera.
E outono que sempre fui,
plantei inverno quando a terra pedia verão.
Hoje queria ter acordado mais cedo,
Porém temo que pra mim
Seja tarde demais.
Sérgio Vaz
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