19 abril, 2006

Nova crônica

Clicando momentos

Marco Pezão

A cena viva diante do clic da máquina é capturada. O registro da imagem. Há imenso deserto povoando o tempo e espaço que circundam o varzeano campo. Eles não vêem o que eu vejo, sou absoluto ao enxergar através das lentes.

A bola, no seu vai e vem, instiga a torcida. Um apogeu de peles. A mistura gera indisfarçável desconfiança. Quem é quem?

Quando aqui cheguei havia um córrego que se estendia além da lateral deste campo. Do lado esquerdo, o mesmo imponente barranco a subir mais de vinte metros. As moradias que se aglomeram por todos os lados não faziam parte da paisagem. As pessoas eram outras. Eu também era outro.

Estranha melancolia essa que me faz caminhar aleatoriamente por povoadas e estreitas ruas do Jd Leme, em meio à garoa que há muito não sentia salpicar meu rosto.

O domingo da ressurreição passou. É terça feira, e ainda sou recordações. Mas não quero recordar, e, sim, compreender. Compreender o porquê do medo. Olhar a cara feia do medo e dizer: não tenho medo de você. Organizai as turbas, temente voz dentro de mim salta.

A roda está formada. O samba e o rap vivem parceiros de uma mesma aflição. Distingo amigos. Um fala, os demais escutam. A ordem é uma desordem. Alguém se rebela contra o presidenciável nome quatrocentão. A palavra sem ação é como bolha de sabão ao sabor da brisa. Fotografo sentimentos.

Agora me preocupo com a amada, que, talvez, já não seja por mim amada. E tão pouco ela, estando à mesa de passar roupa mantém os olhos distantes da roupa que passa, possa dizer palavras de afeto.

Porque me preocupar com o interior dos arredores ou das pessoas, sendo que para mim só interessa a cópia gráfica do quesito filtrado pelo visor?

Continuo clicando lembranças. Um senhor chato e atormentado pelo álcool, gruda. Irrita! Chama o capital parceiro periférico de: Neguinho!

É morte certa! Vai tombar! Surpresa!

O ofendido não se ofende e com elegância nas palavras afasta o inoportuno. Meus ouvidos registram e não disparo o obturador.

Solicitado, um bolo e uma criança me aguardam. Velinha de aniversário acesa. Ela chora com medo da chama. Não se atreve a soprar. Incentivada, arrisca. Disparo o flash. O número 4 no centro do glacê torna a acender. A menina recompõe o choro. A mãe e o pai a ajudam em sopro único. Ela sorri, e eu capto o instante. Anos irão compor a formosura. Será que a pequena quando grande, ao ver a foto, irá se lembrar de mim?

Minhas duas netas menores colheram no jardim um ramo com pequenas flores de nome Bela Emilia. Colocadas no copo contendo água, elas se mantêm vivas e alegres na soleira do vitrô da pia.

Durante minutos observo as pétalas em azul claro. Deixo-me envolver e sinto florir algo amável. E aí, sim, na quietude desse momento; fotografo minha própria alma.

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